sábado, 26 de dezembro de 2015

1.Fazenda Suissa 1925 a 1955 (11)

1.6 Moradias (2)

O Estilo que Nasceu da Saudade

Para conseguir realizar seus projetos Max Wirth buscou homens de sua confiança na Suíça. A foto abaixo mostra da esquerda para a direita os senhores Fritz Walder (administrador), Ernst Loosli (gerente geral), Walter Schiller (administrador e topógrafo) e Max Morel (administrador).


 Após dez anos de trabalho árduo a Fazenda Suissa chegou ao auge de produtividade. Lavouras com 1.200.000 pés de café produzindo substituíram as matas, exceto em algumas encostas, as pastagens estavam cheias de gado gordo e mão de obra bem estruturada garantia a continuidade dos trabalhos.

Havia chegado a hora de se iniciar um novo projeto. Assim Max Wirth voltou sua atenção para a Fazenda Paredão, próximo da pequena cidade de Oriente e adjacente à ferrovia.
Apesar do sucesso nos empreendimentos os suíços sentiam saudades da terra natal. O primeiro impulso da aventura no Brasil se transformou em rotina de trabalho e cuidados com a família aqui constituída. Ernst Loosli, o gerente geral, merecia uma moradia melhor então, em vez de construí-la conforme o modelo brasileiro optou-se por copiar em escala menor o vistoso chalé chamado Villa Sonnenbühl, residência da família Wirth nos Alpes suíços. Talvez por  praticidade o pioneiro encomendou logo mais uma casa parecida, porém menor ainda, para si na Fazenda Paredão. Assim a Villa Sonnenbühl, construída em 1911, com quatro pavimentos além do sótão, 11 quartos, banheiros, salas e salões, cozinha com depósitos, estrebarias e gazebo gerou logo duas cópias...


 A primeira cópia Max Wirth construiu para si e para sua esposa Emily na Fazenda Paredão em Oriente. Era minúscula para o padrão da época, mas já que os filhos estavam todos na Suíça completando os estudos bastava-lhes uma casa pequena. Tinha apenas um quarto, amplo banheiro, sala com copa de almoço, cozinha com fogão à lenha, despensa e uma varanda. Não havia acesso interno ao sótão, mas tinha um pequeno anexo para serviços.


A segunda cópia, bem maior, foi a casa da família Loosli, construída em 1936. Ernst, Emma, a pequena Lilly e o recém-nascido Fritz moravam na sede de madeira antes de mudarem para sua nova casa de alvenaria. Ao contrário da Villa original esta casa tinha somente um pavimento térreo com 3 quartos, banheiro, copa, cozinha, sala de estar, sótão com dois quartinhos,  grande varanda adequada ao clima tropical e uma piscina que também alimentava o lavador de café. Posteriormente também foi construído um anexo para serviços e, quando a filha mais velha Lilly se casou, foi acrescentada uma suíte no fundo.




Detalhes típicos das construções suíças como os telhados muito inclinados, os oitões revestidos com tabuinhas de madeira em forma de escamas, as paredes das salas revestidas com painéis de madeira e a lareira no centro da casa, compõe um estilo único, resultante da profunda saudade dos suíços que trocaram sua pátria pelo Brasil.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

1.Fazenda Suissa 1925 a 1955 (10)

1.6 Moradias (1)

As duas Casas Sede:
Depois da primeira derrubada em 1922 logo foram construídas muitas casas de madeira para acomodar os desbravadores acampados. Max Wirth fez para si uma casa com aproximadamente 200 metros quadrados, quatro quartos sala e cozinha. A princípio não havia banheiro, depois foi construído ao lado uma casa de banho de alvenaria que também abrigava o gerador à diesel.  Avarandada na volta toda e elevada do terreno natural era uma construção de madeira solidamente implantada no final da fila de casas de seus colaboradores mais próximos. Mesmo antes de ficar pronta ele chamou sua mulher Emilie com os 7 filhos para que viessem da Suíça acompanhá-lo em sua aventura. Seu filho Max Wirth Junior descreve esse evento com maestria:


“A casa de madeira. Saindo do palacete vermelho chamado Sonnenbuehl no Toggenburg (Suíça) onde havia todo conforto como água corrente quente e fria, calefação nos 11 quartos, jardim de inverno, sala de jantar e salão principal, a chegada nesse bangalô sobre palafitas, ainda inacabado, erguido entre toras da queimada e entulhos da obra, deve ter sido um choque para a mãe! Não me lembro do ano - acho que foi em agosto ou setembro - de qualquer maneira era logo após a queimada da mata já derrubada havia semanas, quando as cinzas ainda não estavam misturadas ao solo e a bruma da fumaça encobria a vista deixando o mundo tão triste como após uma devastação atômica. Era pedir demais de uma mãe, exausta após a viagem de três dias com sete filhos empoeirados, suados, famintos e sedentos, sem saber como seria o dia seguinte.


O pai nos havia esperado na estação ferroviária em Albuquerque Lins onde deveríamos ter chegado 2 ou 3 horas antes. Três carros de aluguel e o caminhão da fazenda estavam a postos e por ainda ser necessário percorrer aproximadamente 40 quilômetros seguimos sem mais delongas. No início da viagem havia plantações de café novo, arbustos redondos alinhados, havia carreiras de casas novas de madeira, pastagens e quiçaça, córregos e brejos, depois a verde mata fechada onde enormes borboletas azuis dançavam à nossa frente, acompanhando-nos por um trecho para em seguida desaparecer na selva. Depois a ponte precária sobre o rio, o rápido intervalo para colocar água no radiador e longas retas de estrada na floresta, uma parada num entroncamento e plantações novas. Pessoas nos cumprimentavam com cordialidade. Eram colonos da fazenda que acabavam de consertar o último trecho da estrada. Me lembro...que uma caixa de cerveja foi tirada do caminhão e as pessoas sedentas brindaram com bom humor. A cerveja espumava e transbordava; o auge desse dia de nossa chegada na fazenda Suiça...no final da longa viagem, lá estava nossa casa, o bangalô sobre palafitas...”


Em 1925 Max Wirth construiu para sua família uma casa de alvenaria, muito parecida em sua concepção com a primeira casa de madeira, porém mais confortável e localizada no ponto mais alto da fazenda. Seu principal colaborador, o gerente geral Ernst Loosli, passou a morar na casa de madeira. A foto abaixo mostra a pequena família recepcionando visitas na frente da casa e ao fundo se vê a casa de banho. Em 1936 a família Loosli se mudou para uma nova casa de alvenaria e Walter Schiller passou à morar na casa de madeira.




A casa de alvenaria era maior, também avarandada em três lados, com cinco quarto uma cozinha, um banheiro e salas de jantar e estar. O banheiro tinha duas portas: uma dava para o quarto do casal e outra dava para a varanda e era utilizada por todos os demais moradores da casa. Havia um tanque para lavar roupas no porão e o sótão servia de depósito.


As paredes das salas de jantar e estar eram revestidas com painéis de madeira de 1,50m de altura. Esse bonito detalhe foi importado da Suíça onde é muito utilizado para melhorar o conforto térmico nos invernos rigorosos, quando as paredes de alvenaria irradiam o frio. Não havia porta de ligação entre a cozinha e a sala de jantar, porém uma janelinha embutida na imensa estante com aparador servia de passador para as travessas de comida.

 Essa residência imitava o modelo das casas de bandeirantes, tão em voga na década de 1920 quando o Movimento Modernista redescobriu e passou cultivar valores brasileiros.


Em 1928 os filhos mais novos Hans, Max, Peter, Emil e Verena viajaram para a Suíça à fim de continuar seus estudos. As duas irmãs mais velhas Annemarie e Hanne já se encontravam lá e ficaram encarregadas de cuidar dos irmãos na ausência dos pais. Logo Max Wirth se mudaria para a Fazenda Paredão em Oriente, mas continuou utilizando essa sede sempre que vinha à Fazenda Suissa.

Todos os filhos, um após o outro exceto Annemarie, moraram transitoriamente nessa casa ao retornarem já casados da Suíça, antes de assumirem cada qual suas próprias responsabilidades nas empresas do pai.


sábado, 12 de dezembro de 2015

1.Fazenda Suissa 1925 a 1955 (9)
  
1.5 Saúde, Educação e Lazer (3)

Lazer:
Na colônia Santa Luzia tinha um campo de futebol grande onde todo sábado havia jogo. Ali também aconteciam as festas tal como descreve Max Wirth Junior em suas memórias:
“Festa na colônia: eis a inauguração festiva de uma das colônias com aproximadamente 20 casas duplas construídas em madeira sobre alicerce de alvenaria. Chegava gente à pé, à cavalo, de carroça e carro, foguetes subiam ao céu, bombinhas estouravam, bandeirolas esvoaçavam e jorrava espuma de cerveja quente das garrafas.

A sensação da festa era o boi no espeto! O churrasco é essencial para qualquer festa, carne à vontade para todos, o quanto cada um puder comer...O boi assado inteiro, a carne sendo cortada em lascas finas, oferecia especial satisfação aos olhos e ao olfato. Era o ano de1925 ou 26. O pessoal em trajes domingueiros, todos de chapéu, alguns de gravata, se vestiam com formalidade em sinal de respeito.”


Nos anos de 1940 a região de Guaimbê foi eletrificada. Com a vinda dessa nova fonte de energia as máquinas à vapor ficaram obsoletas. A sala da caldeira no final da linha de galpões destinados ao armazenamento e beneficiamento de café passou a abrigar o cinema. Todo sábado o ônibus Pássaro Amarelo trazia 4 grandes rolos de filme que eram apresentados depois do anoitecer.


Mas havia também os saraus dos suíços. Eles cantavam uma espécie de música suíça caipira chamada “Jodel” conforme relata Max Wirth Junior.


“ Na foto vemos a Família Farner, o pai, a mãe, Elsa, Amalie, Emma e Konrad...Não demorou muito para que a filha mais velha, Emma, viesse trabalhar em nossa casa pois já sabia cozinhar. Ela aprendeu culinária com a mãe e canto com o pai que cantava no coral masculino de Stammheim (Suíça) onde tocava um restaurante que chegou à beirar a falência, razão pela qual preferiu emigrar com a família para o Brasil. Quem gosta de cantar deve ter sentimentos e um pendor para o devaneio, e quando a vontade de fugir e o romantismo se misturam, emigrar surge como uma solução... Às vezes os Farner nos visitavam em casa, aí sempre cantávamos todos juntos. Ernst Loosli, o mais importante jovem colaborador de meu pai, sabia cantar o Jodel sem inibição com voz forte conforme a tradição dos Alpes Berneses. 


Juntamente com o timbre soprano de Emma, ou mesmo à três vozes afinadas, entoavam canções comoventes que soavam pela noite estrelada afora. Quando eram acompanhadas por Walter Schiller ao acordeom aí já havíamos um concerto respeitável de coral, cheio de emoções e após derramarmos algumas lágrimas saudosas o sarau se encerrava com o “evergreen” “Sah ein Knab ein Röslein stehn” ou o alegre ¨Dur’s Toggeburg uf und s’Toggeburg ab”. O canto pode construir pontes, até mesmo unir corações ou embelezar um acaso conveniente. Seja lá como for a cantoria ao luar teve efeito pois as três filhas dos Farner se casaram seguidamente: Emma com Loosli, Amalie com Schiller e Elsa com Meier.”


Elisabeth Loosli Massarollo, filha caçula de Ernst e Ema Loosli, relata que na escola havia também aulas de dança. As professoras ensinavam a valsa, o xote e a marcha. Havia uma vitrola que funcionava quando se dava corda para tocar os discos de vinil.
Elisabeth está no centro da foto ao lado de sua irmã mais velha Lily e dos irmãos Fritz e Ernst. Ao fundo o secador e a moega... 
Com tanta música na Fazenda Suissa não é de se estranhar que Elisabeth veio à se casar com Celso Massarollo, um verdadeiro pé-de-valsa...

domingo, 6 de dezembro de 2015

1.Fazenda Suissa 1925 a 1955 (8)


1.5 Saúde, Educação e Lazer (2)

Educação:
A maioria dos imigrantes estrangeiros veio para cá por necessidade, fugindo de uma guerra, crise econômica ou perseguição. Max Wirth foi um dos poucos que veio por opção. Trocou a vida confortável que gozava como industrial na Suíça pela aventura de desbravar terras no Oeste Paulista. Elaborou uma estratégia para cativar colaboradores qualificados nesse fim de mundo. Um ponto fundamental era garantir o acesso à educação não somente aos filhos daqueles que ocupavam cargos de chefia, mas também aos filhos dos colonos. Entre os colaboradores mais próximos havia muitos suíços. Por isso nos primeiros anos havia duas escolas na fazenda: a escolinha suíça, na qual também estudavam seus próprios filhos, e a escola brasileira para a população residente em geral.

A escolinha suíça não existe mais, porém a escola brasileira foi ampliada e adaptada ao longo dos anos. O desenho ilustra a situação da escola naquela época conforme relatos de ex-professoras e alunos.


A escola brasileira se chamava oficialmente Escola Mista da Fazenda Suissa. Ela funcionava numa sala adjacente à casa do farmacêutico. Havia uma varanda de acesso que ficava entre a sala de aula e a casa. No fundo havia um sanitário precário para atender os alunos. Fritz Loosli nos conta de suas professoras Dona Joaninha e Dona Maria Angélica que vinham cedo de Getulina com a linha de ônibus Pássaro Amarelo, almoçavam na casa de Sr. João o farmacêutico e voltavam para casa somente de tardezinha quando o ônibus retornava de Garça. As quatro classes do ensino básico funcionavam na mesma sala. Na foto à seguir Lilly, a irmã mais velha de Fritz Loosli, está sentada na primeira carteira à esquerda. A professora é Dona Maria Angélica.


 Max Wirth Junior descreve seu aprendizado na escola suíça da seguinte forma:
“A escola foi construída dentro do recém-plantado bosque de eucaliptos logo depois de nossa chegada. Era uma construção de madeira sobre palafitas conforme o costume da época, com dois compartimentos e uma grande varanda na frente... Não havia forro, as paredes eram altas, aproximadamente de 3 metros, fechado por um telhado aparente e arejado... Nossa escola era simples – cumpria sua função. Num quarto morava o senhor professor, primeiro o velho, depois o Schinsky. Havia uma cama de ferro branca com molas e colchão de palha, uma caixa que fazia às vezes de criado-mudo, um guarda-roupa, o lavatório de ágata com jarro e uma pequena mesa com cadeira. Ambos os professores preparavam seu próprio chá de manhã, Lipton com leite condensado ou chá mate Leão que vinha embalado numa caixinha de madeira com os dizeres “já vem queimado” para diferenciá-lo do mate verde de chimarrão que era comercializado em barricas. Quando alguém estava de mau humor se dizia “ele está queimado” de forma que nós apenas sussurrávamos “Mate Leão” quando o professor Hauser nos recebia de mau humor para a aula. Ele não gostava de lecionar, preferia nos ensinar trabalhos manuais e nunca mais esquecemos as lições que ele nos deu na bancada cheia de ferramentas que ficava em sua varanda. Mas ele também tinha uma caixa cheia de livros, bem ordenados sobre uma estante de tábuas de sua biblioteca. Eram livros bons, escolhidos à dedo, pois a leitura era sua paixão e se Konrad Hauser, o péssimo professor que logo seria demitido sem dó nem agradecimentos pelo nosso pai, nos deixou algo para a vida seu legado foi o amor à leitura... 


Professor Walter Schinsky substituiu o primeiro professor... porque após dois anos de aulas particulares ainda ignorávamos a tabuada mesmo conhecendo de cor a história de Robinson Crusoé. Fazíamos trabalhos manuais, montávamos à cavalo, atirávamos, mas nossa ortografia era precária, os conhecimentos de matemática eram um escândalo, enfim, estávamos muito atrasados exceto na leitura. Por isso a vinda de Walter Schinky foi como uma declaração de guerra, um estrondo após o qual fomos bombardeados com conhecimento e forçados ao estudo... De dia os estudos e as brincadeiras nos mantinham ocupados, de noite Karl May nos roubava o sono porque líamos até a vela se extinguir. Acho que podemos considerar que tivemos uma infância feliz. Não havia rádio, muito menos televisão, mas líamos e conversávamos – líamos muito e certos livros até repetidas vezes.. ”


(A leitura à qual Max Wirth Junior se refere são os livros da série de faroeste infanto-juvenil cujos heróis eram o índio apache Winnetou e seu amigo caçador Old Shatterhand, ambos retratados abaixo junto com a foto do autor Karl May)


sábado, 28 de novembro de 2015

1.Fazenda Suissa 1925 a 1955 (7)
1.5 Saúde, Educação e Lazer (1)

A Fazenda Suissa fica entre Lins e Marília, distando aproximadamente 40 quilômetros de ambas as cidades. As estradas eram precárias e os meios de transporte escassos. Por isso se fazia necessário uma estrutura física e serviços completos para atender a população residente de mais de 1000 pessoas. Vimos anteriormente que tinha instalações tanto para a produção e manutenção, como para atender as necessidades cotidianas seja o armazém, o açougue, a escola, a farmácia ou o clube.

Saúde:

 “Prof.Dr. Robert Hottinger, por nós crianças chamado de “Onkel Robert”, era naquela época o único amigo íntimo de nosso pai. Por volta de 1898 ele foi convidado para vir ao Brasil pela Escola Politécnica de São Paulo, à princípio assumindo uma cátedra na medicina veterinária, depois por sua versatilidade e talento genial, foi professor de química. Também devia entender muito de biologia porque patenteou as moringas Salus, potes de barro que transformavam água contaminada em água potável e o Bolusargel , uma mistura de prata e argila eficiente contra toda sorte de disenteria, substância indispensável para nós.”  
 Assim descreve Max Wirth Junior o melhor amigo de seu pai, o pioneiro Max Wirth fundador da Fazenda Suissa.

Juntos os amigos chegaram a desenvolver um projeto chamado Vitafarma para produzir vacinas contra a poliomielite e outras doenças. Infelizmente essa iniciativa, apesar de diversos esforços, não vingou, mas a amizade trouxe benefícios significativos para a saúde dos colonos, pois havia tanto um médico, como um dentista e um farmacêutico na fazenda.
Max Wirth Junior conta em sua crônica:

“Senhor Von Scheel chegou à Fazenda Suissa para tratar da saúde das 200 famílias de colonos. Era um homem pequeno, delicado. Apesar da postura ereta de oficial do exército prussiano, sempre se debruçava profundamente para beijar a mão de uma dama. Ele era dentista. Não sabemos se diplomado ou não, se autodidata ou formado às pressas em curso supletivo. Seja como for ele extraía dentes, de preferência sem anestesia, utilizava um rotor movido à pedal para fazer obturações, implantava próteses e dentes de ouro. Ele era trêmulo, mas sempre sorridente, exercia seu ofício utilizando poucos instrumentos porque não havia eletricidade, muito menos ar comprimido ou mesmo água potável para garantir a higiene adequada e nem se fale em aparelho de raios-X. Ele ia de colônia em colônia necessitando apenas um cômodo arejado com a janela aberta... Nunca lhe faltava serviço e desta forma ganhava algum dinheiro, aparentemente suficiente para si e sua delicada esposa. Ela era uma autentica baronesa, sempre pálida e também trêmula, ora contente e amável, ora deprimida e calada; uma mulher que havia conhecido dias melhores e sofria pela precariedade das circunstâncias que somente era capaz de suportar porque seu querido marido lhe providenciava uma tão premente injeção lenitiva em intervalos regulares. Logo não havia mais segredo que a baronesa era dependente de morfina. 


A droga também podia ter sido fornecida por seu genro Dr. Guenther Dietrich, o médico, de quem se dizia a boca pequena que era igualmente viciado. Mas o que nós admirávamos com espanto era sua colossal fúria de fumante, acendendo um cigarro no próximo com incansável maestria, de forma que nos perguntávamos se ele vivia de ar ou fumaça. Nunca mais encontrei uma pessoa que conseguisse soprar a fumaça tragada com tanta força simultaneamente pela boca como pelo nariz! Nas visitas aos doentes das colônias ele sempre vestia seu rígido chapéu de feltro, a gravata escura sobre camisa bem abotoada, suspensórios, bombachas e, no lugar das botas, polainas sobre sapatos de cadarço, enfim um prussiano organizado da cabeça aos pés, nervoso, extremamente disciplinado, um verdadeiro médico, porém ele próprio um sofredor.”

A foto à seguir é uma simulação do conjunto da escola com a casa do farmacêutico ao fundo, a farmácia e a casa do fiscal geral em primeiro plano.



A Sra. Ana Maria de Freitas, filha do farmacêutico Sr. João Wenceslau de Freitas, contou que sua casa na época ficava junto à sala de aula, separada por uma varanda. Depois havia um gramado com uma grande mangueira entre a escola e a pequena farmácia adjacente à casa do fiscal geral. Sr. João exerceu seu ofício na Fazenda Suissa durante a década de 1940, quando o Sr. Von Scheel e seu genro Dr. Dietrich já não moravam mais na fazenda.

sábado, 21 de novembro de 2015

1.Fazenda Suissa 1925 a 1955 (6)

1.4 Manutenção, Administração e Abastecimento (2)



Administração: Escritório e Armazém

O escritório, uma das primeiras construções feitas em alvenaria, tem quatro ambientes: a sala do escrivão onde trabalhava o guarda-livros, um corredor bem iluminado com uma bancada para pesar e organizar a mercadoria, o armazém de mantimentos, ferramentas, secos e molhados, além da sala onde eram guardados os tecidos.


O guarda-livros anotava todas as empreitas realizadas e os fornecimentos referentes à 200 contratos familiares nos livros ainda guardados desde 1922 até hoje. Cada contrato tinha um titular que reunia sob sua responsabilidade diversos trabalhadores, membros de uma mesma família. Fritz Loosli conta que para renovar um contrato familiar a fazenda doava uma novilha ao titular como estímulo para a continuidade da família no trabalho.

Além disso, o guarda-livros controlava os estoques do armazém e a venda da produção da fazenda. 


Havia uma linha de ônibus da empresa Pássaro Amarelo que fazia o trajeto Getulina-Garça quatro vezes ao dia. A parada na Fazenda Suissa ficava logo abaixo do escritório em frente à casa do fiscal geral. Como a fazenda tinha boas relações comerciais com a concessionária Ford de Garça eles recolhiam diariamente a correspondência vinda de São Paulo e Santos pela Companhia Paulista de Estrada de Ferro para encaminhá-la até a fazenda através do Pássaro Amarelo.


Abastecimento: Armazém, Açougue e Posto de Combustível

O armazém era aberto aos sábados para os moradores se abastecerem com feijão, arroz, farinha, sal, açúcar e peixe salgado.  Na porta ao lado funcionava o armarinho onde eram vendidos tecidos, agulha, linha, enfim tudo que se fazia necessário para as mulheres confeccionarem as roupas de seus familiares. Havia também alpargatas e botinas para completar a vestimenta e artigos de higiene como sabonetes e pasta dentifrícia. O guarda-livros tinha um ajudante para auxiliá-lo no atendimento. O primeiro guarda-livros foi Willy Schmidt, depois, nesses primeiros 30 anos, o sucederam Walter Beck e Mauro Ebner, do qual Fritz Loosli ainda menino, foi ajudante.

As colônias eram compostas por duas carreiras de casas. O mangueirão, um grande pasto comunitário onde os colonos criavam seus porcos, cavalos e gado, preenchia o espaço entre elas. Cada casa tinha um paiol de milho para complementar a alimentação dos animais. 
Atrás do armazém havia o açougue e a casinha da bomba de combustível para abastecer os caminhões Ford. O abate de animais era feito num matadouro junto ao córrego do Jiquiri e a carne era cortada e distribuída no açougue toda quinzena.


Abastecimento de Água e Energia
A água consumida na fazenda era proveniente de minas. Na casa sede porém havia um poço de 30 metros de profundidade com um catavento que abastecia a caixa d'água elevada. A antiga tubulação de ferro galvanizado ainda é parcialmente utilizada nos dias atuais. O conjunto de caixas de captação reúne a água levada até um tanque localizado aproximadamente 70 metros abaixo do nível da sede. Numa casinha ao lado do tanque há um grande motor movido a óleo diesel utilizado para bombear a água até os grandes reservatórios de alvenaria no alto do morro. Esse sistema funciona até hoje, apenas foi trocada a bomba.



A energia para o funcionamento das instalações de café e da serraria era provida por caldeiras de vapor aquecidas à lenha. Já a iluminação das casas se dava através de um gerador à diesel que era ligado diariamente por duas ou três horas depois do anoitecer.
A vida dos pioneiros sempre foi voltada primeiramente para o trabalho. Por isso o tempo era marcado pelo repicar do sino comandado pelo fiscal. O sino repicava ao alvorecer para despertar os colonos, uma hora e meia depois repicava para chamar ao trabalho, mais tarde tocava para o intervalo do almoço e no final do dia anunciava o fim da labuta diária.
Anos mais tarde, a pedido dos funcionários, o sino foi substituído pela sirene há muito utilizada nas fábricas da capital porque o sino lembrava a escravidão, a falta da liberdade tão essencial para a existência humana.


sábado, 14 de novembro de 2015

1.Fazenda Suissa 1925 a 1955 (5)
1.4 Manutenção, Administração e Abastecimento (1)

Manutenção: Serraria e Oficina
O primeiro e principal material de construção da Fazenda Suissa foi a madeira retirada após a derrubada da mata. Portanto as duas serrarias foram peças fundamentais na implantação da infraestrutura. Uma foi montada na sede junto às instalações de café e a outra próxima à estrada de Lins, junto com o galpão da máquina de algodão no vale do Ribeirão Guaimbê.


As toras retiradas da derrubada eram serradas em vigas, vigotas, caibros, pranchões ou tábuas conforme a necessidade. Ainda hoje todo o madeiramento das coberturas na Fazenda Suissa foi beneficiado nessas serrarias, principalmente a da sede, porque a Serraria Velha foi desativada depois de 1924 quando a máquina de algodão pegou fogo queimando uma safra inteira.


Para o desdobro das toras se utilizava uma serra Pica-Pau. As toras eram colocadas em uma plataforma sobre trilhos com sistema de polias ligadas ao motor da caldeira a vapor que acionava uma folha de serra horizontal. Além da Pica-Pau havia outro maquinário como a serra circular, a tupia e na bancada se utilizava todo tipo de ferramenta manual desde a enxó, o formão, o arco-de-pua, e muitos outros esquecidos nas marcenarias modernas. Mas o apito da caldeira e o barulho do incansável vai-e-vem da serra Pica-Pau eram o som do progresso naqueles dias.



Toras com diâmetro maior de um metro não passavam sob a estrutura da serra por isso não eram utilizadas. Assim, depois da derrubada da mata, as mais majestosas árvores eram enterradas em valas profundas e cobertas com terra para não atrapalhar o plantio e o cultivo das lavouras.


 A serra Pica-Pau ficava em uma ponta do galpão e na outra ficava a oficina.

A oficina era outra peça chave para o funcionamento da fazenda. O primeiro mecânico foi o Sr. Schmidt que está sentado sobre a esteira do trator na foto abaixo. Atrás dele vemos seu irmão Willy Schmidt o guarda-livros. Sentado no capô está o gerente geral Ernst Loosli e na frente em pé Max Morel, um dos administradores.


 Max Wirth Junior descreve o advento desta foto da seguinte forma:

“ Essa foto mostra como por si só, um avanço tecnológico pode ser enganoso. Até então havia nas estradas da fazenda somente tração animal de cavalos, mulas e bois. As carroças e os carros de bois tinham grandes rodas de bitola estreita, eram puxadas por 6 juntas de animais que aos pares sob o peso das cangas venciam qualquer terreno. Logo havia 200 mulas e dezenas de carroças à cuidar mas já que não faltava terra para pastagens o problema maior era conseguir carroceiros habilidosos. A colheita aumentava juntamente com a área de plantio. Muitos quilômetros de estrada arenosa, o calor e a sede obrigavam a troca frequente dos animais e jornadas de trabalho reduzidas. Com o acúmulo dessas dificuldades algo tinha que ser feito a respeito dos transportes. A solução do problema parecia ser a mecanização mas como os caminhões Ford e Chevrolet, os únicos disponíveis com qualidade e preço razoável, transportavam pouca carga e sempre patinavam nos areões só restava arriscar a importação da última novidade: o trator de esteira Hanomag que os irmãos Bromberg tinham acabado de receber de sua sede em Hamburgo. Esse trator era sensacional, forte como um tanque de guerra, motor a gasolina com 100 cv, barulhento, acionado por alavancas, manivelas e pedais, com uma cabine atrás do comprido capô de latão polido. Ele puxava uma carreta sobre esteiras com o dobro do comprimento dos carros de boi e capacidade de carga três a quatro vezes maior, adequado ao solo fofo, enfim o veículo ideal! A sensação, o monstro Hanomag e sua gigantesca carreta, durou pouco como costuma acontecer com sensações, pois ficou evidente que um avanço tecnológico no lugar errado pode ser enganoso. Esse primeiro trator de esteira dos anos 1920 chegou cedo demais. O motor superaquecia e as esteiras quebravam em pouco tempo vitimadas pela abrasão da areia. A boa ideia não estava amadurecida porém o feito pioneiro apesar de grandioso foi logo esquecido”

sábado, 7 de novembro de 2015

1.Fazenda Suissa 1925 a 1955 (4)

1.3 Instalações de Secagem, Armazenamento e Beneficiamento de Café(3)

Beneficiamento e Casa de Máquina

Junto às tulhas fica o galpão de beneficiamento onde o café em coco é separado de suas impurezas e descascado até passar por uma grande máquina selecionadora que separa os grãos por tamanho ou peneira. Quanto maior e mais regular o grão, melhor é sua qualidade e mais alto o preço de mercado.


Para fazer funcionar todos os elevadores e o maquinário de beneficiamento, foi instalada uma caldeira na casa de máquina adjacente, uma vez que ainda não havia energia elétrica além do gerador que operava apenas a iluminação das casas no início da noite.

  
Posteriormente, com o advento da rede elétrica instalada pela Companhia Paulista de Força e Luz, a casa de máquina foi transformada em sala de cinema para o lazer dos funcionários.


Max Wirth Junior descreve com maestria as dificuldades de implantação da caldeira:
“... Quando ainda morávamos lá, havia na Fazenda Suissa três grandes máquinas à vapor: uma na serraria velha mais ou menos um quilômetro distante de nossa casa junto ao ribeirão onde começavam as pastagens, outra de igual potência logo ao lado para tocar a máquina de beneficiamento de algodão e a maior de todas, um monstro com uma enorme polia, para as instalações de café na sede. As três eram desmontadas em partes e assim transportadas por 40 quilômetros de estrada de terra, as pesadas caldeiras puxadas por dez ou mais juntas de bois e outra parte do maquinário carregado em caminhões, até seu paradeiro definitivo. Avançava-se devagar, passo à passo, com uma parado no Rio Feio onde as caldeiras, demasiadamente pesadas para a ponte suportá-las, tinham que ser atravessadas pelo vau quando as águas do rio estavam baixas, por juntas de bois bem descansados e com grande alarde. Nós podíamos observar e ajudar na gritaria, enfim, uma farra oportuna para a molecada! Graças aos cuidados e experiência de nossos administradores Max Morel e Fritz Walder todos esse transportes chegaram ao destino sem acidentes e o sucesso era comemorado com a tradicional cervejada.”


sexta-feira, 23 de outubro de 2015

1.Fazenda Suissa 1925 a 1955 (3)


1.3 Instalações de Secagem, Armazenamento e Beneficiamento de Café (2)

O Secador

O secador sem dúvida sempre foi e continua sendo a construção mais imponente da Fazenda Suissa. É um bloco de aparência compacta com 15m de largura, 20m de comprimento e 15m de altura, sem contar a torre central de elevadores que acrescenta um volume de 8m à altura da cumeeira. Ao nível do terreiro ele abriga os tambores de secagem e elevadores que transportam o café da moega para as tulhas de descanso que preenchem todo o espaço superior.

A foto abaixo mostra o secador durante a montagem do revestimento de tábuas das fachadas com a cobertura com chapas de cimento amianto, material ultramoderno para a época, já pronta.



 Junto ao secador havia a fornalha, o lavador e o grande galpão da moega onde era recolhido o café pré-secado no terreiro ou nas tulhas secadoras para depois ser conduzido ao secador.


 Os desenhos abaixo mostram a situação aproximada e as dimensões dessas construções. Muitas delas foram demolidas (tulha norte, moega, lavador, tulhas secadoras) ou modificadas no decorrer do tempo como o secador que perdeu sua imponente torre.



A Tulha
As paredes de alvenaria revestem e protegem contra as intempéries os dez compartimentos de madeira onde se guardava o café em coco, o ouro verde. Essas tulhas eram abastecidas por cima através de vagonetas cujos trilhos vinham diretamente do terreiro. Elas corriam sobre uma ponte vazada dentro do telhado e eram emborcadas para despejar o café entre os vãos do piso da ponte.
No fundo das tulhas há uma vala larga guarnecida com uma esteira que leva o café até a máquina de beneficiamento
Todos os anos um Corujão-de-Igreja (Suindara) cria seus filhotes dentro de uma vagoneta. A noite ele vai até o alto do secador, abre as grandes asas brancas e sobrevoa nossas casas em busca de alimento soltando aquele piado curto, tic-tic-tic-tic. Mas tem uma jiboia bastante velha que mora na tulha e, quando a coruja mãe se descuida, ela às vezes consegue devorar um filhote de Suindara – que banquete!







1.Fazenda Suissa 1925 a 1955 (2)


1.3 Instalações de Secagem, Armazenamento e Beneficiamento de Café (1)


Conforme mostra o desenho abaixo desde 1925 muitas construções, principalmente casas, desapareceram enquanto outras foram acrescentadas na Sede Operacional da Fazenda Suissa.


Porém ainda se nota a grandeza do empreendimento essencialmente nas instalações para o café.


Terreiro:


O terreiro é plano e mede 100m por 136m. Tem um aterro de mais de 8 metros no ponto mais alto na face norte e um corte de 4 metros no ponto mais baixo na face sul. Se imaginarmos que essa terraplanagem foi feita manualmente, apenas com ajuda de enxadões, pás, carrinhos e carroças, impressiona a grandeza da tarefa tão bem executada apesar dos meios precários.
O terreiro tem um leve declive para o escoamento das águas da chuva e um sistema de drenagem junto às muretas das quadras. No centro delas há uma linha de trilhos para as vagonetas que recolhem o café do terreiro até o secador e as tulhas. No lado de cima, onde foi feito o corte no terreno há uma galeria de água profunda com 60 cm de largura que deságua num túnel na mata além da Casa do Guarda-Livros. Antigamente percorrer esse túnel fazia parte das aventuras e provas de coragem da criançada. Depois virou lenda e dizem até hoje que há um túnel que vai do casarão até a mata por onde o patrão podia fugir em caso de emergência. A lenda nunca foi desmentida, mas isso é outra história...


As Tulhas Secadoras


As Tulhas Secadoras caíram em desuso com o aprimoramento dos secadores mecânicos.  Por isso há muito tempo deixaram de existir na Fazenda Suissa, mas constam das fotos antigas do álbum de Fritz e Ernst Loosli.


Para conhecer melhor o funcionamento dessa construção fomos visitar a Fazenda Monte Bello em Ri-beirão Claro, uma fazenda centenária cujas instalações para café estão impecavelmente bem preserva-das e formam um conjunto muito bonito e interessante conforme se pode observar nas fotos a seguir.


A tulha tem estrutura de madeira sobre pilares de alvenaria e fechamento de tábuas. Cantoneiras de tábuas atravessam a tulha de um lado ao outro aparecendo nas fachadas laterais como centenas de triângulos por onde circula o ar para a secagem do café estocado no interior. O abastecimento da tulha se faz pelo oitão e a descarga pelas comportas no fundo.